Um ano depois, sobreviventes das enchentes na Espanha reconstroem e relembram. 20/10/2025
- Ana Cunha-Busch
- há 5 dias
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Por AFP - Agence France Presse
Um ano depois, sobreviventes das enchentes na Espanha reconstroem e relembram
Rosa SULLEIRO
Quando as primeiras chuvas de outono caíram este ano, Toni Garcia fechou as cortinas.
A chuva é uma dolorosa lembrança das enchentes devastadoras do ano passado, que mataram mais de 200 pessoas na Espanha, incluindo seu marido e sua única filha.
"Tudo me lembra. De estar com minha família a estar sozinha", disse Garcia, em meio às lágrimas, em sua casa em Benetusser, na periferia sul da cidade portuária mediterrânea de Valência.
"Em 29 de outubro de 2024, muitas famílias, incluindo a minha, pereceram."
Não choveu em Benetusser naquela terça-feira cinzenta, mas um "tsunami de juncos e água" desencadeado por chuvas torrenciais a quilômetros de distância atingiu sua rua.
Garcia observou da sacada a aproximação da enchente.
Seu marido, Miguel, de 63 anos, e sua filha, Sara, de 24 anos, enfermeira, foram até a garagem do subsolo para retirar seus carros, caso a chuva prevista pela mídia chegasse.
Ambos estavam entre as 237 pessoas mortas, a maioria na província de Valência, no pior desastre natural da Espanha em uma geração.
"Eles foram a minha vida inteira. Lutarei por eles porque morreram injustamente", disse Garcia, criticando o governo regional por não alertar os moradores a tempo.
- "Para que as pessoas se lembrem" -
As enchentes atingiram 78 municípios, arrastando 130.000 veículos e danificando milhares de casas, gerando 800.000 toneladas de entulho, principalmente nos arredores de Valência, a terceira maior cidade da Espanha.
"Ficamos apenas com a roupa", lembrou Pedro Allegue, um aposentado de 81 anos de Paiporta, uma das cidades mais afetadas, onde 45 pessoas morreram.
Sua voz ecoou pelos cômodos vazios da casa térrea da qual ele e a esposa escaparam por uma escada no pátio. Parte da casa permanece em ruínas.
A lama espessa que cobria a cidade deu lugar ao rugido das máquinas enquanto as casas são reconstruídas.
As enchentes afetaram mais de 8.000 empresas, algumas das quais ainda lutam para reabrir, de acordo com a confederação empresarial valenciana Confecomerc.
"Perdi seis meses da minha vida, mas reabri", disse David Parra, 51, em sua loja de troféus em Paiporta, da qual escapou no dia das enchentes quebrando o teto do banheiro.
Ele expôs os livros e as pás usados por voluntários e familiares para remover a lama em sua vitrine.
"É para que as pessoas se lembrem", disse ele, segurando um pequeno azulejo com os dizeres: "A enchente chegou até aqui. Só o povo salva o povo."
- 'Difícil seguir em frente' -
Milhares de voluntários ajudaram os moradores nos dias que se seguiram às enchentes, quando os moradores se sentiram abandonados pelas autoridades. A tensão explodiu em protestos durante uma visita da família real espanhola a Paiporta.
A cerca de três quilômetros de distância, em Alfafar, máquinas barulhentas agora destroem os restos da escola Orba.
As enchentes interromperam as aulas de mais de 48.000 alunos e danificaram 115 escolas. Oito escolas, incluindo a Orba, precisam ser reconstruídas, e os alunos começaram o novo ano em salas de aula pré-fabricadas.
"Muitas crianças congelam ou ficam ansiosas ao primeiro sinal de chuva", disse Ana Torres, 47, enquanto acompanhava seus dois filhos para salas de aula temporárias.
Ela retornou à sua casa danificada pela água há um mês, mas disse que ainda há muito a ser reconstruído.
"Não poder viver a vida como antes torna difícil seguir em frente", disse ela.
- Protestos -
Em Catarroja, onde 25 pessoas morreram, um muro ostenta a mensagem: "20:11. Nem esquecer, nem perdoar", marcando o horário em que os alertas de enchente chegaram aos celulares dos moradores. A essa altura, já era tarde demais.
"Quando consegui falar com meu pai, às 19h50, ele estava se afogando", disse Rosa Alvarez, 51, na casa em Catarroja onde seu pai, de 80 anos, morreu depois que as águas da enchente derrubaram uma das paredes.
Alvarez, que lidera uma associação que representa as vítimas das enchentes, luta na justiça para ser responsabilizada pelo que consideram negligência das autoridades. Ela disse que sente que seu pai foi "morto" pela inação delas.
Ativistas têm ido às ruas todos os meses, exigindo a renúncia do chefe do governo regional, Carlos Mazon, pela forma como lidou com o desastre, com a próxima manifestação marcada para sábado.
As autoridades regionais insistem que não tinham as informações necessárias para alertar as pessoas mais cedo.
"Esta não é apenas uma ferida pessoal, é uma ferida que todos compartilhamos", disse Alvarez. "Temos que garantir que algo assim nunca mais aconteça."
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